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Entrevista Bola Branca

“Eu vejo a floresta, os treinadores da base olham para a árvore”: uma conversa com o coordenador da formação do Palmeiras

15 mai, 2024 - 14:10 • Hugo Tavares da Silva

João Paulo Sampaio explica a ideologia para a formação do clube e esclarece porque existe um campo de barro no centro de treinos e ainda porque fazem amigáveis contra projetos comunitários em favelas. Falou-se de tudo: recrutamento, talento, genética, liberdade, criatividade engessada, erros, Disney, Endrick, Estevão e Abel Ferreira.

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Depois de oito anos no Vitória, João Paulo Sampaio foi convidado para fazer parte da revolução do futebol de base do Palmeiras. Os craques foram saindo da academia do ‘verdão’, enriquecendo a fama e os cofres, mas os holofotes apontam para ali com mais vontade do que nunca agora que Endrick assinou pelo Real Madrid e Estevão poderá estar a caminho do Chelsea. Têm apenas 17 anos.

Ao longo de 40 minutos, João Paulo Sampaio explica a ideologia para a formação do Palmeiras e esclarece porque existe um campo de barro no centro de treinos e porque fazem amigáveis contra projetos comunitários em favelas. Talento, genética, liberdade e criatividade engessada também foram temas abordados nesta entrevista, que tocou ainda na Disney e em David Luiz e Hulk, dois atletas que se cruzaram com Sampaio na Bahia.

E Abel?, questionamos no fim. “É o maior treinador da história do Palmeiras”, garante sem pestanejar. Os seus garotos estão “bem entregues” ao português.

Por que razão o Palmeiras foi buscá-lo depois de oito anos no Vitória?
O Vitória sempre foi uma referência na base. Na maioria das Copas do Mundo, as últimas, o Vitória teve sempre lá jogadores formados no clube. Em termos de resultados e de revelação [aposta em jogadores], o Vitória é uma referência nesse trabalho. O Palmeiras nunca foi. Na sua história tem compras de jogadores e de poucos jogadores revelados. O clube era muito marcado por questões políticas e o Palmeiras trouxe na época, em 2015, o Alexandre Mattos, que era o bicampeão brasileiro no Cruzeiro. Trouxe o Cícero [Souza] e foi atrás de mim para ser o gestor do futebol de base. Eu achei que era uma boa oportunidade vir trabalhar em São Paulo e começar a tentar mudar essa história do clube.

Como chega a esse cargo no Vitória?
Eu fiquei 23 anos no Vitória. Fui atleta, saí de casa com 11 anos. Fui jogar para o Bahia, cheguei quando foram campeões brasileiros em 88. Depois fui para o Vitória, numa época que começou a ter mais investimento e uma base, em 91, joguei até aos 22 anos. Tive quatro cirurgias no joelho, mas não foi por isso [que correu mal], foi porque o futebol estava a tornar-se muito potente e eu sou fibra lenta [risos]. Estava cansado já de correr atrás de ‘meias’, eu era volante, número 5. Ainda joguei na Suíça. Quando começou o inverno, chega. Deixei de jogar e comecei como treinador na formação do Vitória. Fui treinador oito anos, depois convenceram-me a ser o coordenador e gestor, onde fiquei mais nove anos. Estive seis meses como gestor da equipa profissional, tive quase uma úlcera e pedi para voltar ao futebol de formação.

E que erros cometeu no início?
Ahhh... Às vezes, eu chamava muito à atenção, embora eu ainda faça isso com os treinadores, na frente de todo o mundo. Hoje, eu chamo mais para o canto [para falar em privado]. Fui muito gravado por empresários e até pelo próprio atleta, quando o chamava à minha sala. A minha conversa, hoje, é mais no campo. Eu digo que sou um ’scout’ na coordenação, porque eu gosto muito de estar em campo, ver jogadores, dificilmente você me encontra na minha sala. Eu trazia muita gente para a reunião na sala. Esse erro trouxe-me problemas com as gravações, sou muito duro com eles às vezes, então às vezes gravavam. Esse erro não cometo mais, não...

O que mudou quando chegou ao Palmeiras?
Para mim, era bem claro: se o campo não chama à atenção, ninguém vai querer saber o que há de bom fora, seja administrativo, financeiro ou social. O campo tem de chamar à atenção. O Palmeiras tinha uma parte administrativa e social muito grande. Tinha cinco ou seis assistentes sociais, três psicólogos... e no campo só havia quatro treinadores e a captação só tinha duas pessoas, apenas dois observadores. Então, diminuímos essa parte fora do campo para aumentar no campo, treinadores e captadores [de talento]. O primeiro foco é esse, o campo. É muito claro, se você tem boa captação e bons treinadores no campo... No Vitória a gente tinha um campo para treinar sete categorias, mas tínhamos uma captação forte e treinadores muito bons. Não adianta ter estrutura grande, hotel, dinheiro, se você não tiver bons profissionais nessas áreas.

Certo.
O bom treinador melhora o jogador, o bom captador traz os melhores, é agressivo. Então, para mim é isso: focar no recrutamento e treino. Aqui partimos das partes para o todo, nunca do todo para as partes. Estamos sempre trabalhando o atleta individualmente. Hoje temos 12 treinadores, fora o futsal, que também é nosso. Vamos chamar à atenção pelo resultado no campo, não por ser um grande clube.

Às vezes existe esse erro, não é?, acha-se que a formação é algo coletivo, mas deve ser sempre individual, a pensar no atleta.
Vamos ter agora seis viagens internacionais, em maio. O guarda-redes de 15 anos vai jogar pelos sub-20. Porquê? Porque ele é diferente, eu quero dar-lhe desafios. Aí os treinadores dizem “ahhh, João, mas é importante para a equipa ele jogar nos sub-15, sub-17”. E eu disse: “Isso é para a equipa, importante para o Palmeiras é o goleiro estar pronto para a equipa profissional, temos de os desafiar. Não está a ter desafios nos sub-15”. O que importa é o que é bom para o atleta, não o que é bom para a categoria, para a equipa. Isto é bem claro. Paramos alguns jogadores que precisam de ganhar físico e massa muscular.

Hm, hm.
Vou dar um exemplo. Fazíamos muito isso no Vitória e você conhece muito bem dois jogadores que ganharam oito quilos num ano: Hulk e David Luiz. Foram meus atletas, fui treinador e depois gestor quando eles estavam lá. Quando chegam dos 17 para os 18 anos, o momento ali do pico do GH [a hormona], alguns precisam de parar para fazer esse trabalho. E aí todo o mundo quer que o jogador esteja jogando, que se destaque, mas o importante para o atleta é fazer aquele trabalho naquele momento. O foco é o atleta. "Ahh, você é campeão do Brasil ou da Copa São Paulo", que é famosa, mas, se me perguntar quem foi o campeão há cinco anos, eu não vou saber responder.

Pois.
Se me perguntarem quem é Endrick, Estevão, Danilo, vários, aí todo o mundo vai lembrar. O importante é o atleta, não são os títulos, isso é consequência. Na base, [o que importa] é a formação do atleta.

Imagino que seja uma armadilha porque os treinadores têm ego, querem subir e perdem as estrelas... Deve ser complicado gerir isso.
Não, porque é bem claro quando eles chegam: aqui quem manda é o clube. Eu vejo a floresta, eles olham a árvore. Mesmo assim, a gente consegue resultados. Estou quase a ir para a Europa, a equipa principal de sub-20 jogou contra o São Paulo. Eles ficam aqui no campeonato brasileiro, em São Paulo, e os que têm menos experiência vão para a Europa. Ainda assim, nos últimos três anos, fazendo isso, a gente ganha todos os torneios na Europa e os meninos chamam à atenção. É sempre uma consequência, nunca o foco.

Porque têm um campo de barro?
No CT [centro de treinamento] só há um, mas esse projeto já tem sete, oito anos. Agora inaugurámos um no nosso centro, mas o projeto da favela e do campo de barro existe desde 2016.

Qual é o plano?
O nosso objetivo é, primeiro, voltar um pouco às raízes do que era a liberdade. Os treinadores têm um acesso muito grande, hoje, a treinos de Bayern Munique, Manchester City e querem fazer esse treino com os jogadores da categoria deles, de 11, 12, 13 anos, quando, na verdade, não é adequado. Esses treinos são para jogadores profissionais e formados. Uma vez, o Mourinho disse que não se faz ‘colação’ [“copy paste”], é totalmente ao contrário do que te disse sobre David Luiz e Hulk. Só que o Mourinho contratava Drogba, jogadores formados e profissionais, eu não, eu tenho jogadores que passam fome. Na infância, passaram fome. Então, eu preciso que eles façam o trabalho que na idade deles é o ideal, com 17 ou 18, para ganharem isso para o futuro deles. As pessoas não entendem isso e começam a ‘pegar’ nessas verdades que não são verdade no nosso país, do nosso ADN brasileiro.


Esse ‘projeto favela’ é para os meninos terem autonomia, para terem de escolher a equipa, até para saberem o que o treinador sente (“vou deixar o meu amigo de fora”). Eram coisas que nós fazíamos na rua antigamente, escolher um ou outro. Nesse dia é mais importante driblar do que passar a bola. Se tiver de fazer um golo ou driblar bonito, ele dribla bonito. Ele vai ganhar mais pontuação com isso. Também jogamos contra projetos da comunidade, em Paraisópolis por exemplo, onde não conseguimos entrar com o autocarro, porque não passava. Então, os jogadores descem, vão andando e vão treinar contra equipas da favela. Assim, também observamos os jogadores deles.

Ahh, recrutamento.
Depois dos jogos, deixamos bolas e material. Houve um dia em que nos ofereceram um lanche, fomos à sede. Oitenta por cento dos nossos jogadores vêm da favela, vêm desses lugares, mas há alguns que não têm essa noção. Além de tudo, dizemos-lhes “o Palmeiras está aqui, é fácil ter acesso”.

Se calhar valorizam mais o que têm no dia a dia quando percebem o que os outros não podem ter. Ou valorizam terem tido mais sorte.
Sim, para valorizarem onde estão. Todos ali queriam estar no lugar deles.

Já falou no ADN brasileiro, mas vemos um Tite a jogar no Mundial de uma forma muito europeia. Vemos equipas muito parecidas, o tal 'jogo de posição', o jogo posicional. O que se está a fazer mal, então, no futebol de formação no Brasil?
A Europa, há 40 ou 50 anos, veio aqui e queria saber o que o brasileiro fazia de tão diferente. Eu vi isso, fui ao Standard Liège, na Bélgica, e vi-os treinar indoor quando estava frio, dentro do ginásio, subindo obstáculos, correndo como se fosse um muro, numa parede, subindo árvore, subiam escadas, mandavam-se para o chão, davam cambalhota em cima do colchão, pegavam na bola, driblavam e chutavam na baliza. Eles estavam recriando a rua, levaram a rua para o indoor.

Hmm…
E o brasileiro fez o contrário: retirou a rua nas escolinhas principalmente, “ahh, tiki-taka, toco y me voy”. E é um menino, não podia mais driblar, o menino não tinha mais criatividade porque estava engessado. Só que o engessamento não pode ser com o menino com a bola, pode ser com a tática, que é inevitável hoje. Uma das coisas que a gente mais cobra aqui é o menino arriscar, driblar. Damos essa autonomia e, quando ele erra, apoiamos. Temos muito isso no futsal, as nossas equipas têm meninos de seis a 10 anos. Dos 10 aos 14, a equipa de campo joga futsal também e é o mesmo treinador. Temos ali muito 1x1. Temos um ataque em que vão três lá para a frente e deixamos o menino com a bola lá atrás, para ele driblar o cara à frente do nosso guarda-redes. Estimulamos muito isso. Perdeu-se um pouco isso, porque as escolinhas tiraram essa liberdade aos jogadores. Os sub-20 jogaram há dias, em direto, na Sport TV. Temos uma média de 45 jogos em direto na televisão. Nos sub-17 são 30 jogos, para o Brasil todo. Estou falando de canal de TV.

Certo.
E aí todo o mundo quer ganhar, quer mostrar, é essa guerra de querer ganhar a qualquer custo. Vou falar-te na Copa de São Paulo, que é famosa...

A Copinha, não é?
Isso. A gente quer ver jogadores de outros clubes. Há equipas que nem têm equipa profissional e vêm jogar contra o Palmeiras com jogadores de 20 anos. Já estão estoirando a idade, não têm mais idade de formação. O Palmeiras joga com um monte de jogadores de 17, de 15. Eu digo-lhes: "Vocês vivem disso, da venda de jogadores, e trazem-me jogadores velhos para querer ganhar ao Palmeiras, mas o seu objetivo é colocá-los no Palmeiras". Ficou essa loucura do desempenho, do ganhar a qualquer custo, quando o seu objetivo é formar, sabe? Ficou tudo muito louco com as redes sociais.


Perdemos a Copa São Paulo este ano, nós éramos bicampeões, para mim tínhamos a melhor equipa e era uma das mais novas. “Tira uma foto do nosso time! Vemos quem vai chegar à equipa profissional e tira uma aos que nos ganharam, na qual a maioria tinha 20 anos.” Não vamos mandar treinador embora, pelo contrário. Porque vou trocar de treinador? Porque perdeu um jogo? A minha pergunta é sempre a seguinte: quem é que da outra equipa jogava na minha? Quando cinco, seis jogadores do adversário jogavam na minha equipa, aí fico preocupado. Se falhares um penálti, se o teu guarda-redes tem um dia ruim, isso você não controla. O futebol ficou nessa loucura e a base precisa de sair disso. Dei uma ideia aqui, em São Paulo, para nas competições dos 10 aos 14 anos não haver campeão.

Então?
Aqui é como o futsal, há três tempos e todos têm de jogar. Há equipas em que um menino diz que está machucado durante o jogo para voltar o menino melhor, para você ver a loucura do treinador. Toda a gente discutiu a maneira de não haver esse problema, eu disse que tinha a solução: “Acabem com o campeão, premeiem os melhores jogadores no final, premeiem quem joga mais ofensivo e não há campeão”. Acabou. Ahh, ninguém quer, não é?

Nesses casos imagino que, quando se diz a um menino para fingir uma lesão, o orgulho dele e a pessoa devem ficar muito fragilizados. É só um garoto, não é?
É só um garoto e é um adulto a pedir para ele fazer isso. É muito feio, até para depois você criar um homem, para dar o exemplo.

Há regras para os pais? Às vezes torna-se um problema aquele triângulo menino-treinador-pai, com o pai e o treinador a dizerem coisas diferentes.
Os pais têm contacto somente com a parte social. Com a parte técnica, não. Você conhece o Estevão, não é? O ‘Messinho' está a chamar à atenção. Tive três reuniões com o pai antes de o trazer. Ele é de São Paulo. Eu ofereci o mesmo que ao Endrick e ao Luis Guilherme. Mas o Cruzeiro ofereceu 10 vezes mais e ele tinha 10 anos. E foi para o Cruzeiro. Mas, nesse tempo, o pai dizia-me sempre “João, eu queria voltar para São Paulo e tal”. Quando houve oportunidade do Estevão vir, eu disse-lhe: assim que assinarmos o contrato, eu vou bloquear-te no telefone, não falo mais com você, porque você é pai e você quer o que é melhor só para o seu filho. Quem forma o atleta é o clube, você forma o seu filho, que nunca deixará de o ser. O atleta é o clube [que o forma], com toda a estrutura que oferece. Eu não discuto, não converso com pais, sobre a parte técnica, treinador, sobre ninguém. Os pais têm acesso a assistente social, a psicólogos, a mim, quando é alguma coisa a ver com aulas e escola, ou se ele estiver a passar mal, ou se houver alguma necessidade que a família tenha. Mas sobre futebol, tecnicamente, eles não têm acesso.

Certo.
Quando você deixa o seu filho na escola, fica lá dentro vendo o que ele estudou? Porque é que no futebol ele tem de saber onde o filho vai jogar? Há 37 anos que saí de casa, para fazer isto, eu erro mais do que acerto e vou ter de discutir com o pai o que é melhor para o filho dele? Uma coisa é como ser humano, como homem, outra coisa é como atleta. Aí não.

O que é talento para si?
Há duas coisas diferentes. Se todo o mundo tivesse o talento, a técnica, os recursos com que você nasce, não haveria 50 mil [adeptos] torcendo e 11 no campo, seria ao contrário, não é? Isso é dom, acho que todo o mundo tem um dom. Mas existem aqueles que você pode formar que não têm tanto dom, mas que têm uma disciplina e uma capacidade enormes e, mesmo assim, têm de ter o talento para aquele desporto. Por exemplo: fiz um trabalho, quando fui jogador, para tentar ser mais potente, mais forte. Mas o meu talento físico era fibra lenta, eu conseguia correr uma maratona, mas não conseguia fazer 50 metros, 100 metros. O Usain Bolt não vai ser um maratonista.

Nunca.
Nem um maratonista vai ganhar os 100 metros. Desde que ele foi formado, ele trabalhou, houve trabalho e disciplina. Mas Bolt, quando começou a trabalhar, nunca seria um fundista, porque a fibra dele é explosiva, não é oxidativa. Ele não ia aguentar 42 quilómetros com aquele peso. É genético. Quando o Hulk voltou para o Brasil, eu disse que ainda ia jogar sendo o melhor durante cinco ou seis anos. Primeiro, pelo talento dele, técnico e genético, é um animal; segundo, por esse ponto que estou falando: cuida-se, trabalha como poucos. Então, há duas coisas: o talento, que é técnico e genético, e a disciplina que ele tem, para passar por tudo o que tem de passar para ser um grande atleta.

Há quem diga que talento é resolução de problemas, que tem a ver com inteligência.
Sim, resolução... mas tem de ter talento. Não é só técnico, é físico também. Eu trabalhava, tomava creatina na fisiologia, durante seis meses, mas isso não ia mudar a minha estrutura física. Vou melhorar, mas não vou ser potente, não vou ser rápido. Há outros que já nascem com aquilo, para aquele tipo de desporto. Você não vai ver um campeão de natação com 1.50m. E não vai ver um goleiro com 1.50m. Uma das coisas que eu não discuto é genética.

Já falou há pouco na captação de talento. Imagino que no Brasil sejam milhares os miúdos com talento. Como é que se acerta mais do que se falha? Ou seja, para que olham e que tipo de pistas procuram? É que dribladores devem ser ao pontapé…
O Palmeiras tornou-se referência nos últimos anos por ser o clube que mais chama à atenção, para estar no [elenco] profissional e também porque foi o que ganhou mais nos campeonatos da CBF, hoje é o maior do Brasil em termos de títulos, como na equipa profissional. Em negócios, só para você ter um número, nestes nove anos vendemos [jogadores com valores de] cerca de 300 milhões de euros e gastámos 50, 60 milhões de euros. Isso chama muita atenção. Começam a dizer que não tem como [acompanhar] o nível do Palmeiras. Chegam muitos jogadores de qualidade aqui. Eu tenho, hoje, percentagem de 108 jogadores noutras equipas. Por exemplo, o Alanzinho aí do Moreirense, Pedrão no Portimonense. Muitos jogadores estão em Portugal ou aqui em clubes de Série A e Série B, às vezes no sub-20 ou profissional. Toda a gente quer os nossos jogadores na hora de os dispensar.

Certo.
Na hora que você vai enxergar um jogador do Palmeiras você tem que saber, no mínimo, o nível em que estamos. Às vezes, você vai dizer-me “João, tenho um jogador de 19, 20 anos, muito bom” e eu digo “cara, mas no meu sub-20 é quase tudo com 17 e 18 anos”. Vinte anos já temos de olhar para o profissional, mas noutros clubes não. Eu jogo contra sub-20 de clubes grandes e têm 10 jogadores de 20 anos, porque eles querem ganhar. E os meus de 17, 18 anos são melhores, mas eu estou pensando no talento, na formação deles. Dizem-me que nos juvenis temos dois ou três jogadores que são mais futuro do que desempenho agora.

Hm, hm.
A gente tem aqui um perfil bem detalhado. Por exemplo, os nossos ‘zagueiros' [centrais] têm de ser rápidos, porque a gente joga muito exposto. Jogámos agora contra o São Paulo, lá, e a gente joga quase no meio-campo. Batemos muito lá na frente, já viu isso na equipa de Abel, bate muito no ‘mano’ lá na frente e depois fica um ‘mano’ lá atrás. Se os nossos ‘zagueiros' forem lentos, há um problema. O nosso goleiro está mais à frente. Todo o mundo sabe as características que procuramos. Zagueiros velozes e que sabem construir; os nossos volantes eram ‘meias’, foram descendo, como Patrick de Paula, Danilo, Zé Rafael, Gabriel Menino... eram todos ‘meias’. Zé Rafael e Danilo eram atacantes pelo lado. Gostamos de construir, é uma cobrança da nossa torcida e da nossa parte. Temos essas referências para procurar esses jovens.

Não acha que eles saem cedo demais?
Não tem o que fazer... Primeiro, porque a fila anda, não é?, sabe o que é a fila andar? Vêm outros.

OK.
Estou a falar do Patrick de Paula, que vendemos por seis milhões de euros por 50%, e vinha aí Danilo. Mais o Gabriel Menino. Eram mais novos. Eram de 1999, 2000 e Fabinho, de 2002. Já estão a vir aí outros...

Mas Estevão fez agora 17 anos, vimos Abel a fazer o que julgo que nunca tinha feito: pediu a Leila para não o vender.
Mas aí há a multa [cláusula de rescisão]. Quando há multa, não tem o que fazer [risos]. Entendeu? Ele tem uma multa de 60 milhões de euros.

Perguntava em termos formativos…
Sim, sim! Claro.

… era ideal mantê-los, ou não?
O ideal era ficarem aqui, pelo menos, até aos 21 anos.

O Santos conseguiu algo assim com Neymar, não?
Acho que o Neymar saiu com 19. Eles vão sair com 18, por causa da lei. Isso que falei é o ideal, mas se olharmos para o sonho dos meninos… Se ele ganha aqui 10 mil euros e vai ganhar aí 100 mil, o valor do euro é muito diferente daqui. Depois, especialmente no Brasil, eles carregam muita gente, muita família. Endrick e Estevão vão ser as maiores vendas da história do futebol brasileiro. Isso são extra-série [fora de série]. Vendemos o Kevin, agora em janeiro, por 15 milhões de euros para o Shakhtar. Vendemos o Danilo o ano passado. Saíram com 21, 22 anos. O Danilo ganhou duas Libertadores. Gabriel Menino, Wesley, Patrick de Paula. Todos ganharam algo. A gente está falando de dois extra-séries. Não podemos medir isso assim em relação aos outros. Estou com um problema grande por causa disso.

Então?
Os meninos do meu sub-20 viram Gabriel Jesus, Luis Guilherme, Estevão e Endrick com 16 anos no profissional. Todos pensam que com 17 ou 18 estão...

... atrasados.
Isso aí! Isso é um grande problema aqui no Brasil. Só que dando os outros exemplos, Gabriel Menino, Danilo, de Paula, Wesley, todos que estiveram bem no profissional e saíram vendidos, o próprio Kevin, tinham todos 20, 21 anos. Então, calma. Quando falamos desses dois, claro que todo o mundo gostaria de os ter até aos 20, 21 anos e desfrutar disso. Mas ninguém conseguiu desfrutar de Rodrygo e Vinicius Júnior. Pagaram a multa, não há o que fazer.

Como é a relação com Abel? Ele começou nos sub-19 do Sporting.
Quando Abel chegou, quem lhe mostrou o clube fui eu. Aqui, os sub-20 treinam no mesmo CT da equipa profissional. Nós temos um grande amigo em comum, o Petro Casagrande, que jogou com ele no Vitória de Guimarães. Tivemos uma troca de ideias sobre a base, porque ele tem esse currículo da formação. O caminho foi bem mais fácil. E eu sou baiano, não é? Sou da cidade que é fácil fazer amigos. Quando ele chegou, havia 12 meninos para subir ao profissional, tinham sido campeões de São Paulo, chamaram à atenção. Foi mais fácil, eles já estavam consolidados no profissional.

Muito bem.
O [Vítor] Castanheira é o cara mais ligado à base, vê todos os jogos. Quando acabou o nosso jogo contra o São Paulo, eles estavam no avião a ir para o Uruguai, a informação aparece lá para eles, online, os golos e o resultado. Os dados que usam são os mesmos da base. É um contacto diário que temos aqui. Sobre amizade... o Abel foi para minha casa, na Bahia. Fiz uma festa lá. O Abel não aguenta muito, não, eu bebo mais do que ele. Ele é fraco, dois vinhos e já pede para ir embora. Eu não, para derrubar têm de ser muitas caixas de vinho [risos].

E que treinador é este? Há quem diga que é a maior figura do Palmeiras.
Isso ninguém pode duvidar, no futebol brasileiro e principalmente o palmeirense: o Abel é o maior treinador da história do Palmeiras. Ninguém tem dúvidas. É um cara que veio e marcou território, mas também como ser humano. O Abel faz muita coisa com muita gente que poucas pessoas sabem. Ele não gosta de divulgar, mas é um cara muito querido, é amado pela torcida do Palmeiras e os adversários ficam loucos, mas, ao mesmo tempo, eles gostariam de ter o Abel do lado deles. É um super ídolo do Brasil, não é só do palmeirense.

E os seus garotos estão bem entregues a Abel?
Estão bem entregues. Isso nem há dúvida. Às vezes ele 'dá um gelo’ nos meninos, deixa-os de lado, mas faz parte da evolução e da maturação que eles têm de passar.

A história da Disney com Endrick, não é?
Nessa história da Disney estávamos almoçando, sabia? Eu e ele. Eu falei: “Temos de ir para a Disney”. Ele disse: “Pode ser, vamos pagar?”. Eu disse que o Endrick estava quase a ir para a Europa porque alguns clubes queriam convencer o pai e que depois ia à Disney. E o Abel: “’Tá bom, eu vou falar sobre isso”. Depois, a Disney dele deu certo [risos]. O Mickey foi bom, deu-lhe um [Campeonato] Brasileiro, deu títulos bons para todos nós…

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