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Sem história. Super Terça-Feira vai confirmar "confronto esperado" entre Biden e Trump

05 mar, 2024 - 10:30 • André Rodrigues

Sandra Fernandes, especialista em Relações Internacionais da Universidade do Minho, e Daniela Melo, politóloga da Universidade de Boston, admitem que os temas internos vão ser mais determinantes do que as tensões internacionais na escolha dos norte-americanos. E isso pode dar vantagem a Trump.

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As eleições primárias desta terça-feira em 15 estados norte-americanos - a célebre Super Terça-Feira - poderão ser vistas como um jogo de futebol sem história, porque, à partida, deverão acabar com as dúvidas quanto ao confronto eleitoral de novembro entre Joe Biden e Donald Trump.

É essa a perceção de duas especialistas ouvidas pela Renascença, no dia em que, sobretudo, o candidato do Partido Republicano receberá dos eleitores o voto que lhe permitirá ter a maioria dos 2.429 delegados na Convenção de julho.

No entanto, a politóloga Daniela Melo, professora na Universidade de Boston, assinala que “as primárias ainda vão a meio” e que os processos judiciais que envolvem Donald Trump continuam a correr nos tribunais, “e não sabemos se haverá algum efeito surpresa” que possa alterar o cenário mais provável de um confronto entre o incumbente e o ex-Presidente que procura regressar à Casa Branca.

É um confronto esperado, mas é um confronto que não é, de maneira alguma, desejado pela maioria dos eleitores”, admite Daniela Melo, que justifica esta tese com o facto de ambos os candidatos personificarem “a continuação deste clima de polarização nos Estados Unidos, que se sente já há vários anos”.

Esta especialista admite ser “normal que o eleitorado sinta um certo cansaço e desmotivação pela repetição deste confronto”.

Apesar deste cenário, do lado democrata, Joe Biden não encontra rival na nomeação. E do lado republicano, a resistência é residual. Nem a vitória de Nikki Haley no caucus de Washington irá reverter essa tendência.

Sandra Fernandes, especialista em Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade do Minho, diz que os 19 delegados eleitos com a vitória da ex-representante norte-americana nas Nações Unidas são “uma gota de água face àquilo que é necessário para vencer as primárias” e acrescenta que, “mal começou o ciclo das primárias do lado republicano, Trump colocou-se como o único candidato que vai ganhar com a desistência de Ron De Sanctis”.

Haley permanece na corrida, mas sem perspetivas de ganhar um número de delegados suficientes, “apesar de colocar-se contra Trump, no seu campo, mas também contra Biden”.

Num ponto, ambas as especialistas ouvidas pela Renascença estão de acordo: o ano político nos Estados Unidos é altamente incerto e volátil, em função da influência que os processos envolvendo Trump podem ter na sua nomeação e, caso ela se confirme em julho, no resultado que possa alcançar em novembro.

Sandra Fernandes considera “sintomático que aquilo que a imprensa americana mais discute neste momento nem é tanto resultado das primárias, mas sim, quem é que Trump vai escolher como vice-Presidente”.

Agenda interna sobrepõe-se à geopolítica?

Se, do lado europeu, o processo eleitoral norte-americano tem sido acompanhado com particular atenção – por causa das declarações de Biden e de Trump sobre os conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente – Daniela Melo e Sandra Fernandes concordam que os assuntos nacionais dos Estados Unidos acabarão por ser mais determinantes na escolha dos eleitores, do que tensões geopolíticas.

Sandra Fernandes considera que Donald Trump continuará a querer dizer aos norte-americanos que “não faz parte do sistema e que quer virar um sistema do avesso para colocar os interesses da população em primeira linha” e lembra que, em termos programáticos, o ex-Presidente “não é muito claro quanto ao que vai fazer, nem com que recursos”.

O segredo de Trump está “numa linguagem que colhe, quando as dificuldades do dia a dia imperam para uma grande parte dos americanos”.

Daniela Melo concorda com esta visão e admite que “os temas que costumam ter muito mais peso são a economia, a educação, a imigração, ou seja, temas internos e que afetam a vida diária das pessoas dentro do país”.

Quando o eleitor vai às urnas, não põe necessariamente a política externa dos Estados Unidos no top 2 ou 3” das suas preocupações.

Desse ponto de vista, tanto uma como outra especialista, consideram que a tarefa poderá ser mais difícil para Joe Biden do que para Donald Trump, em função de “dois conflitos [Ucrânia e Médio Oriente] que o Presidente Biden considera absolutamente essenciais para salvaguardar o sistema internacional liderado pelos Estados Unidos, que nós chamamos a ordem liberal internacional, e que tem tido um grande impacto nos debates internos nos Estados Unidos, seja no debate entre o Partido Democrata e o Partido Republicano”.

Por tudo isso, Daniela Melo admite “ainda mais polarização” entre Biden e Trump sobre a ajuda à Ucrânia, mas, mais ainda, sobre o apoio a Israel.

No entendimento da politóloga, o conflito entre Telavive e o Hamas é responsável por uma “divisão que é, sobretudo, geracional, em que as gerações mais velhas tendem a estar do lado de Israel e a concordar com a posição que Biden tem tomado até agora e, do outro lado, as camadas mais jovens, que tendem a estar do lado de Gaza e revoltados pelos Estados Unidos, não tomarem atitudes mais musculadas face aos ataques de Israel na Faixa de Gaza”.

Mas pode esta questão ter impacto no resultado de novembro? Daniela Melo admite que pode não ter, embora reconheça que este confronto de visões seja “importante nos estados que serão absolutamente cruciais para Biden poder ganhar a eleição em novembro”.

O exemplo mais significativo é o Michigan, “porque tem uma população árabe de cerca de 200 mil habitantes, que são muito mobilizados sobre a questão de Gaza”.

A questão não é se esses eleitores acham que Trump possa ser melhor candidato do que Biden, porque, claramente, a maioria desses eleitores também vê Trump como uma ameaça aos seus direitos”, conclui a especialista.

Esta terça-feira, os eleitores de 15 estados e de um território - Alabama, Alaska, Arkansas, Califórnia, Colorado, Maine, Massachusetts, Minnesota, Carolina do Norte, Oklahoma, Tennessee, Texas, Utah, Vermont e Virgínia e o território de Samoa Americana - votam nas primárias norte-americanas.

No Partido Democrata, Joe Biden praticamente não tem adversários para esta "Super Terça-Feira", sendo de esperar que volte a vencer com facilidade Dean Phillips e Marianne Williamson, depois de quatro eleições primárias em que já elegeu 449 delegados, contra nenhum dos outros dois candidatos.

Do lado republicano, o ex-Presidente Donald Trump chega tem uma vantagem de 122 delegados (77,2%) contra 24 delegados (15,2%) de Nikki Haley, a ex-embaixadora norte-americana nas Nações Unidas, que mantém-se na corrida à nomeação, apesar da desvantagem cada vez mais difícil de ultrapassar.

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